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ENSAIO SOBRE A VACUIDADE

Grassa o hábito enervante em Portugal de se procurar transformar poesia – ou meras aspirações poéticas - em banda desenhada (ou ilustrações, mais ou menos sequenciais, que alguns julgam poder designar de banda desenhada). Assiste-se esse pleno direito aos seus autores ou adaptadores; isso nem se discute. Discute-se, sim, a qualidade mais do que questionável da esmagadora maioria dessas tentativas, mesmo que surjam sempre meia-dúzia de iluminados a proclamar a genialidade da coisa. Sim, porque bastas vezes é de uma “coisa” que se trata, sem qualquer ponta de genialidade ou, sequer, qualquer ponta de qualidade estética, artística e literária. Em resumo, sem qualquer ponta por onde se lhe pegue.

O problema é claro: se um bom poema não garante, obviamente, uma boa banda desenhada, então um mau poema descambará quase certamente numa péssima banda desenhada; pior, descamba muitas vezes numa não-banda desenhada. Para agravar a coisa (lá volto eu à “coisa”), parte significativa destas intenções poéticas gravitam à voltam de um ou mais personagens (?) imersos num qualquer sonho pseudo-quotidiano, desculpa perfeita para a descolagem narrativa ser completa. O resultado final acaba quase sempre por assumir a forma de um mero amontoado de ilustrações e frases, mais ou menos desconexas e vagas, sem vestígio de fio condutor palpável.

Um universo onírico dessa natureza, se desprovido de causa narrativa, mais não é que um exercício artístico, e autista, de vacuidade. Porque não são as frases casuísticas, recheadas de verborreia indecifrável, que fazem o poeta, mas antes a solidez e coerência da mensagem, mesmo que alicerçada em princípios linguísticos mais simples, claros e objectivos. O brilho hipotético de qualquer mensagem que se perca antes de chegar ao receptor não mais reflecte que uma superfície baça, incapaz de propagar uma ideia narrativa concreta, palpável, compreensível. E assim se alienam os leitores. Excepto a tal meia-dúzia de iluminados.

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